MANIFESTO DA DIRECÇÃO: Este blogue “www.sortesdegaiola.blogspot.com”, tem como objectivo primordial só noticiar, criticar ou elogiar, as situações que mais se distingam em corridas, ou os factos verdadeiramente importantes que digam respeito ao mundo dos toiros e do toureio, dos cavalos e da equitação, com total e absoluta liberdade de imprensa dos nossos amigos cronistas colaboradores.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Mestre Batista - José Zuquete...

Batista e Zuquete, dois amigos verdadeiros...

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(do livro de António Garçoa “Mestre Batista – toureiro de uma época”
"In Memoriam" (por José Zúquete)

Momentos há em que é necessário dar a cara, quando a consciência a isso nos obriga.
Há que vir a terreno quando a memória dos homens se torna tão lamentavelmente curta.
Muito hesitei, e muito reflecti antes de me dispor a escrever algumas linhas sobre a figura grande que aqui evoco.
Não porque me custe expressar a saudade que o vazio da sua ausência nos impôs, não porque não me sinta motivado para o fazer, não porque não me sinta à altura de o fazer.
Quando se evoca a palavra amizade, na plenitude do seu conteúdo e de todo o seu sentido, põem-se de lado certas reservas e removem-se todos os obstáculos.
Ainda no plano circunstancial, ao pensar se valeria pena ao fim deste tempo debitar para alguns, que sempre o tentaram minimizar, palavras justas e merecidas.
Para aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer, essas palavras só pecam por serem insuficientes.
Através destes anos tive momentos em que me apeteceu escrever sobre a hipocrisia de alguns que dele se serviram em vida, que através dele se autopromoveram, a ele traíram, a coberto do manto da falsidade e de interesses mal disfarçados. São os profissionais do oportunismo, amigos de ocasião, traidores por formação e prática.
Infelizmente eles aí andam, sugando como podem os incautos e bem-intencionados, na mira de sobreviverem à sua custa.
A pureza e a mentira, infelizmente de mãos dadas, no nosso mundo taurino.
O falso abraço, as lágrimas de crocodilo, a facada pelas costas.
Quantos se poderiam queixar do estado a que chegou o ambiente taurino em Portugal.
No entanto poucos se queixam, e a chantagem vai ditando as suas leis. “talvez lhe arranje uma corridinha, mas se calhar é preciso por algum”…
A luta pela sobrevivência num mundo de falsa majestade, dramaticamente à deriva como barco em plena porcela , conduzido por toda a espécie de amadores que pouco se importam que a nave se afunde, desde que, nem que seja por breves momentos, ponham o pé na ilhota por eles sonhada do mundo taurino. O que lhes importa é presumir…
São os psicopatas desejosos de consideração social. Pobres de espírito que não distinguem o ser do parecer.
O ser é eterno e o parecer é efémero.
Por isso os que são, ficam. E os que parecem depressa caem no esquecimento.
Mestre Batista era. Por isso hoje é saudado, por isso sentimos a sua falta quando olhamos o seu lugar ocupado pela sua memória.
Nada nem ninguém pode ocupar o seu lugar.
Ser como Batista, tourear como Batista, ou sequer tentar imitá-lo é impossível, daí o terrível paradoxo de vermos uma figura da sua envergadura desaparecer do nosso palco taurino sem deixar escola.
Nunca conseguiu ensinar como se executava a sua sorte frontal, porque essa era um explodir de sentimento, e assim como não há homens iguais, também não é possível transmitir de homem para homem, a maneira de saborear ou de viver um sentimento de momento.
Os ferros à Batista, aqueles momentos raros que só ele sabia interpretar, o burburinho na praça, a contestação e logo a explosão, o ambiente em ebulição, eram dele e com ele foram.
Um predestinado a Figura Grande. Um Homem que era.
Como homem foi como todos os grandes artistas quando se dedicam inteiramente à actividade de que vivem e para a qual vivem.
Era uma personalidade polémica: ou se gostava dele ou se detestava. Relativamente aos que estavam mais em contacto com ele, porque o grande público que corri às praças para o ver tourear, para com ele saborear a emoção e a eminência do perigo, o grande público, esse tinha-o num pedestal. Era o seu toureiro, foi sobretudo um toureiro do povo, figura ímpar de popularidade em Portugal.
É por demais conhecida a sua ascensão taurina, e os marcos que colocou nas tardes em que o seu toureio explodia por essas arenas fora contestando costumes e regras concebidas, enjeitando o comodismo, revolucionando com a instauração da sua lei da verdade. Marcando uma época no toureio a cavado em Portugal.
Como todos os seres superiores em qualquer manifestação de arte, Batista era pouco inclinado ao lado material das coisas, raiando por vezes a ingenuidade.
Daí o ter servido em alguns casos de veículo de promoção de alguns que sem escrúpulos o enganaram e exploraram.
A sua irreverência era muitas vezes a maneira de por um escudo e uma distância entre si e aqueles de que o seu instinto dizia não estar ali propriamente um amigo.
E que dizer do seu lado humano?. Tantas vezes poso em causa por alguns papagaios da nossa praça a quem ele nunca deu hipótese de se aproximarem.
Seria talvez útil perguntar às gentes humildes que com ele contactaram e que a ele recorriam em momentos de aflição. Ficariam seguramente admirados ao aperceberem-se da faceta para eles desconhecida do Batista-homem.
A injustiça não paga imposto e talvez por isso, com Batista, foram cometidas várias.
Se em vida permaneceu indiferente a qualquer homenagem que lhe negaram, num país que de uma forma masoquista presta vassalagem a tudo o que é estrangeiro, até depois da sua morte – pasme-se – se fez uma mascarada na RTP em que ao anunciar-se o seu desaparecimento se passavam excertos de Batista toureando a cavalo. Só que por incompetência e desconhecimento se passaram partes de actuações não de Batista toureando, mas sim de Manuel Jorge de Oliveira e de Emídio Pinto. Se não fosse o facto de se tratar de uma figura do toureio e mais do que isso, da sua morte, seria para rir. Revoltante foi a maneira como foi tratado no seu país tanto em vida como depois de morrer.
Se em Portugal o vácuo criado pelo seu desaparecimento foi tratado de uma maneira pouco menos do que vergonhosa, já o mesmo não podemos dizer em relação ao México, país taurino na verdadeira grandeza da palavra, co o seu sentir de universalismo taurino, com aquele sentimento que só os mexicanos conseguem exprimir quando sentem um acontecimento no coração e na alma.
Por casualidade encontrava-me no México na data da sua morte. Dias antes tinha falado com ele por telefone. Preparava-se então a sua apresentação na Praça México – Catedral do Toureio. Preparavam-se os 60.000 espectadores da maior praça de touros do mundo para verem actuar José Mestre Batista.
A este país tinha já chegado a fama do cavaleiro de São Marcos do Campo.
Em México respeitam-se as grandes figuras do toureio, tem-se consideração por elas, há sentimento taurino. A corrida é festa do povo e faz parte da sua vida. Infelizmente não puderam os mexicanos ver Batista tourear. A colhida fatídica a que não pôde escapar tinha ditado a sua lei.
Com a morte de Batista desapareceu uma grande figura do toureio, o mundo taurino viu desaparecer um dos seus maiores expoentes, e nós perdemos mais que um amigo, perdemos um irmão.
Nunca poderei esquecer o momento em que pelo telefone o João Mascarenhas me comunicou a terrível notícia. Eram 5 da manhã no México e a única coisa que me conseguiu dizer foi: “morreu o Batista”. Foi um choque tremendo o que senti. Uma mistura de angústia e de raiva impotente apossou-se de mim. Só consegui balbuciar “como foi possível?”. O resto foi o que penso só se poder sentir quando se perde um amigo de verdade.
Fui no dia seguinte contactado para ir ao Canal 12 da TV Mexicana, para como amigo de José Mestre Batista comentar a homenagem póstuma que o programa Touros e Toureiros lhe iria prestar.
Para além de grato e sensibilizado foi com orgulho que vi e intervim durante cerca de 20 minutos, num programa dedicado a Batista, no qual inclusivamente foi transmitida a sua ultima actuação no Campo Pequeno. Conservo o vídeo desse programa e confesso que quando o revejo não consigo deixar de pensar no contraste em o que a TV mexicana proporcionou e aquilo que se fez no nosso país.
O tal contraste entre o ser e o parecer.
Muito teria ainda para escrever sobre José Mestre Batista. Acerca da sua figura é difícil esgotarem-se os motivos de escrita ou de conversa.
Talvez essa conversa tenha lugar algum dia num colóquio organizado para homenagear a memória de Batista – o Homem e o Toureiro.
Até lá vamos vivendo com algum cepticismo mas isentos de espírito derrotista, pois não é essa a nossa maneira de estar na vida.
Vamos vivendo o nosso pequeno mundo taurino e esperar que os verdadeiros e intransigentes defensores da nossa festa acabem por triunfar, trazendo ao de cima, tal como o azeite, a Verdade.
Seria talvez essa a melhor homenagem a prestar à memória de um Homem e de um Toureiro que sempre pugnou por essa verdade, sempre que pisou uma arena.
E creiam que se nos puder ver do sítio onde está, aí estará ele sorrindo, gesto lento e irreverente no afastar da melena.
Até um dia, amigo!